O que a paixão nos traz senão mais problemas à saúde? É mais fácil ficar ali quieto no seu canto sem atrair desilusões, do que ficar saindo por aí jogando a cara no lixo. É tão sugestivo aquele samba: viva e não tenha vergonha de ser feliz. Mas não. A gente tem se "matar" com punhaladas passionais, e pior, a curto prazo.
Mas não foi bem assim que pensou Maria das Dores, que foi direto se apaixonando. Seguiu seu rumo junto à prosa das falácias boêmias: deixe a vida te levar, mulher! Pegou seu fusca seguiu pra balada, onde conheceu o Zé das Pinga. E advinha: se apaixonou. E ali mesmo ela deu pra ele. Achou uma dispensa mocozada, apertada, e foi ali mesmo. O sujeito tava tão ébrio que sequer as calças conseguia tirar.
Fim de festa, conta paga, tudo certo. Fim de noite, mas essa foi especial, Maria das dores conheceu o Zé das Pinga, que incrivelmente ligou no dia seguinte:
- Alô?
- Oi, Maria? Tudo bem?
- Oi Zé, tudo bem e você? Que bom ouvir a sua voz – sussurrou com sensualidade.
- Tudo certo sim – respondeu indiferente – Viu, cê viu a minha carteira perdida em algum lugar? Quando acordei, enfiei a mão no bolso e só encontrei um papel com seu número. Acho que a gente se conheceu ontem, né?
- Você acha? Insensível! (Maria desliga o telefone na cara do Zé)
Sem chão, Maria sentiu as dores da revolta. Bloqueou o Zé em tudo que podia. Mudou-se de cidade e, poucos dias depois, inaugurou o “Movimento das mulheres apaixonadas”, onde passou a orientar mulheres a controlar a impulsividade da paixão. O movimento cresceu e Maria ficou conhecida internacionalmente como Maria das Paixões. Montou um blog onde descrevia os mais variados casos de conquistas obtidas por mulheres que orientara. Ganhou fama, prestígio e chegou a ser indicada ao Nobel da Paz.
Num dia qualquer aí, uma jovem do interior foi lhe pedir orientação. Só que não era pra ela, mas pro seu irmão. Ele estava sofrendo muito. Dizia ele que foi rejeição. A paixão lhe agarrou de um jeito que ele não conseguia mais soltar. Estava sofrendo há anos e isso o estava definhando emocionalmente. Maria ouviu atentamente a súplica daquela moça e, apesar de não trabalhar com os problemas dos homens, comoveu-se com a história dela e permitiu que levasse o rapaz até o seu consultório.
Alguns dias se passaram e a moça estava de volta, desta vez acompanhada do irmão. Na sala de espera a secretária de Maria pediu que o rapaz fizesse um breve relato do que ocorrera e que finalizasse dizendo como estava se sentindo naquele momento. O rapaz, apesar de relutante, decidiu escrever, mas não quis escrever muito, apenas relatou:
Uma vez, numa balada, eu conheci o amor da minha vida. Eu liguei pra ela e, tímido, inventei que tinha perdido a minha carteira, pra puxar assunto, mas foi um tiro no pé. Hoje eu to me sentindo do mesmo jeito como no dia em que ela bateu com o telefone na minha cara e sumiu: apaixonado e com a cara no lixo.
Dizem que Maria das Dores, hoje, está grávida do quinto filho e seu marido, Zé das Pinga, nunca mais perdeu a carteira.
fim