Mas num momento inesperado, sem saber de onde encontrar forças aquele rapaz toma nas mãos um pedaço de papelão e levanta na altura do rosto. Ali havia uma frase escrita à mão, com traços fracos e desalinhados. E nessa frase estava escrito:
"Eu sou como um câncer. A vida está doente. A sociedade está sangrando. Só um milagre pra salva-la”Constrangido fechei os olhos, curvei a cabeça e a única coisa que pude sentir foi uma profunda dor no peito. Olhei novamente pro rapaz, que ainda estava segurando o pedaço de papelão com as forças que ainda lhe restavam naquele momento, e a comoção causada por aquela cena me constrangeu de tal forma que meu corpo ficou paralisado, sem reação. O sentimento de impotência, somado ao meu individualismo gerado por uma vida egocêntrica e materialista, meteu-me à margem da nobridade.
Fui pra casa me sentindo um fracassado e aquela frase ficou remoendo a minha cabeça. No dia seguinte, resolvi voltar ao mesmo lugar na esperança de encontrar quele moço e ajuda-lo. Era chance de apagar o incêndio que estava dentro de mim, fervendo a minha alma. Inicialmente ia ajudar aquele rapaz entregando-lhe alguns mantimentos. Peguei, também, algumas roupas velhas que estivessem em bom estado e fui até lá satisfeito pela chance de fazer a minha parte na luta contra o "câncer" da miséria.
Entretanto, quando cheguei ali não o encontrei sentado no mesmo lugar em que estava no dia anterior. Então eu saí perguntando nos arredores se alguém o tinha visto, se podiam informar o seu paradeiro, mas ninguém sabia de quem eu estava falando. Talvez ele tivesse morrido. Fui, então, até o IML pra saber se o corpo de algum indigente havia sido levado até lá. Tinha vários. Olhei um por um, mas nenhum se parecia com aquele rapaz. Procurei o serviço de assistência social da cidade pra saber se alguém poderia me dar uma luz sobre quem era aquele rapaz, mas nada. A descrição que eu tinha dele era a mesma de dezenas de moradores de rua, e em nada ajudou. Procurei-o por vários dias, mas parecia que, quanto mais eu o procurava, mais ele se distanciava de mim.
Eu nunca mais o vi. Ele simplesmente se foi sendo uma flor efêmera, uma flor-gatilho, que disparou o pólen da sua história em algum lugar e aquela mensagem impregnou em mim. Eu queria ajuda-lo, mas ele fez mais por mim. Ele me curou.
fim