domingo, 22 de setembro de 2019

Um diálogo com a diversão

Olhei pra minha parede, onde tem algumas fotos da minha infância, e lembrei de como eu era feliz com tão pouco. Dava pulos de alegria e me sentia realizado quando em casa a gente se juntava pra brincar de banco imobiliário no chão da sala, ou então quando fazíamos "acampamento" com as almofadas do sofá. A minha cama estava lá arrumadinha, mas eu não podia perder a chance de passar a noite na "cabaninha" construída com tanto esforço de criatividade.

Não tava nem aí pro que estava acontecendo com a economia ou com a política, a preocupação estava em chegar logo o fim de semana para que eu pudesse ir pra piscina e jogar bola no campinho. As tarefas escolares eram encaradas assim: fazê-las ou burlá-las copiando de algum nerd, só pra ter mais tempo de brincar...rs. Criança tá sempre com a cabeça na diversão. Era como se as lições de casa fossem um obstáculo a se ultrapassar pra que eu pudesse brincar mais. Não havia aquela preocupação com o mercado de trabalho, muito embora a cobrança dos meus pais e dos professores fosse sempre essa.

Mas eu acredito na teoria da proporcionalidade das conquistas e responsabilidades (que acabei de inventar....rsrs). Isso mesmo. Quer dizer que, quando adultos, não temos maiores responsabilidades ou conquistas, mas sim, temos tudo isso de maneira proporcional à maturidade que adquirimos desde que nascemos - ou pelo menos deveríamos ter. Quando criança nossos pais são a nossa maturidade até alcançarmos a nossa própria. Ou seja, nosso papel na infância é conseguirmos nos divertir ao máximo, aproveitando cada oportunidade em utilizarmos nossos sentidos para assimilarmos as informações e conseguirmos compreender o sentido das coisas.

Numa pesquisa divulgada pela Unifil - Centro Universitário Filadélfia - em dezembro de 2011, elaborado pela acadêmica Joyce Aparecida Pires Cardia, foi constatado que a brincadeira é um elemento estratégico de grande valia para o desenvolvimento da aprendizagem e da maturidade. Nessa pesquisa há uma citação do cientista Lev Vygotsky extraída do livro dos Ph.D.'s em Psicologia Fred Newman e Lois Holzman, intitulado "Lev Vygotsky: cientista revolucionário", que faço questão de transcrever:
Numa brincadeira, a criança faz uso espontâneo de sua habilidade de separar significado de um objeto sem saber que está fazendo isso, exatamente como não sabe estar falando em prosa, mas fala sem prestar atenção nas palavras. [...]. Assim de conceitos ou objetos, as palavras se tornam partes de uma coisa. Em certo sentido uma criança brincando está livre para determinar suas próprias ações, mas em outro, esta é uma liberdade ilusória, pois suas ações estão de fato subordinadas aos significados das coisas, e ela age de acordo com eles.
O problema, na verdade, existe quando assumimos mais responsabilidades do que podemos suportar, o que nos sobrecarrega, gerando stress e outros desgastes físicos e emocionais. Geralmente isso acontece por falta de planejamento e solidez, cuja prática vem sendo constantemente limada pelos discursos apelativos de uma sociedade consumerista que, por conta da velocidade do avanço tecnológico, nos sugere a ideia de que estamos sempre atrasados ou desatualizados.

Confesso que, hoje, já estou bem mais maduro e me considero bem sucedido no que faço. Tenho uma boa formação acadêmica, um ótimo trabalho e uma perspectiva de futuro muito promissora. Mas porquê às vezes eu me deparo com aquele sentimento como se eu fosse mais feliz quando criança?

Esses dias atrás, lendo a Bíblia, meditei num episódio em que algumas pessoas levavam suas crianças até Jesus. Mas por estarem sendo impedidas pelos discípulos, Jesus lhes repreendia dizendo para deixarem que as crianças fossem até ele, ressaltando que o Reino de Deus pertence aos que são semelhantes a elas, e afirma que nunca entrará no Reino quem não recebê-lo como uma criança (Lucas 18.15-17). Então algumas coisas começaram a fazer algum sentido.

Fiquei imaginando toda aquela criançada correndo em direção a Jesus com um único intuito: abraçá-lo. Isso já era o suficiente para que elas ficassem completamente felizes e realizadas. E com toda certeza elas estavam se divertindo muito com esse encontro. Já os adultos, em sua grande maioria, sempre carregavam consigo algum stress, algum problema para levar ao Mestre, vendo nEle a solução para os seus problemas, não simplesmente como um mestre e companheiro.

Percebo que, ao passo em que crescemos, acumulamos tantos anseios e responsabilidades, muitas vezes de forma precipitada e exacerbada, gerando-nos diversos problemas, que acabamos depositando em determinadas coisas ou pessoas a responsabilidade pela nossa felicidade. Como naturalmente isso não é possível, ficamos frustrados e desde logo buscamos arrumar um jeito de nos desfazermos desses elementos "imprestáveis". Não sendo possível o desfazimento, passamos a conviver com eles de maneira exaustiva.

Tudo isso cansa, corrói o espírito e mata a alma. Não se pode manter uma boa saúde física e mental assim. E, consequentemente, nenhuma felicidade. Precisamos nos divertir mais!

Vejo a diversão como uma atividade realizada com prazer, desassociada de preocupações stress e cobranças. É muito comum associarmos a diversão com o momento de lazer, mas não é bem assim. Esse momento (do lazer) é uma pausa, um intervalo que damos à mente da concentração do trabalho, é o descanso. Mas tudo o que fazemos com prazer se torna divertido.

Pois bem, se na infância a diversão nos ajuda no desenvolvimento dos sentidos e no aprimoramento do raciocínio para uma melhor percepção da vida, na vida adulta ela nos auxilia a desenvolvermos as nossas atividades com mais excelência e perfeição.

A lógica é simples. Tudo na natureza funciona assim: retêm-se o que é bom e se elimina o que é ruim. E não é diferente com o nosso cérebro. Estudos mostram que a nossa memória funciona melhor quando a informação vem associada com algo prazeroso. O que é ruim entra como conflito e fica gravado como zona de tensão.

O verbo saber, do latim sapere, é associada na sua origem ao substantivo sapor, que significa sabor. Essa associação existe porque o efeito do conhecimento é o mesmo do de sentir o gosto do alimento, ou seja, conhecer é sentir o sabor da existência (uia!...que frase bacana...rsrs). Note que quando o sabor é agradável, nosso organismo pede mais dele.

Quem se diverte tem sabor agradável pela vida e faz tudo com prazer e motivação genuína, ou seja, com amor.

Friedrich Nietzsche disse uma vez: 
"Uma pessoa continua a trabalhar porque o trabalho é uma forma de diversão. Mas temos de ter cuidado para não deixarmos a diversão tornar-se demasiado penosa."
Não se trata de valorizar o aspecto irresponsável e imaturo de uma criança quando falo em diversão. Nem tampouco de menosprezar a importância dos planejamentos acadêmicos, profissionais, econômicos e familiares, de modo a fazer tudo com desleixo e de forma jocosa. Trata-se, porém, de manter acesa a chama da pureza, da simplicidade e da sinceridade de coração, além da fé, buscando sempre a paz, pois é nutrindo essas qualidades que conseguiremos transformar as aflições da vida numa eterna diversão, a qual Jesus uma vez chamou de "bom ânimo", pedindo que o tivéssemos, já que lá na cruz Ele venceu as mazelas desse mundo (João 16.33).

Quando se é criança, a vida é cheia de diversão e tudo é feito com amor. Antes de decidir alguma coisa é preciso vermos se seremos capazes de realizar tudo com alegria. Esse é um dos segredos da verdadeira felicidade.

 fim.